16 de novembro de 2008

Por que nunca acontece o contrário?

Ela morava numa cidade não muito grande, não muito pequena, muito parecida com muitas das cidades que existiam por aí. Naquela cidade, e com certeza em muitas outras, contavam-se histórias sobre o passado, sobre como as coisas eram, como tinham mudado e como tudo era melhor agora. Ela gostava de ouvi-las, especialmente aquelas sobre o caminho que levou à igualdade entre mulheres e homens.

Contavam que, há muito tempo atrás, as mulheres não estudavam, não trabalhavam, não votavam, não escolhiam seus maridos, sequer saíam de casa, exceto em dias de festas, quando as bonitas e ricas eram exibidas por seus maridos. Enquanto isso, os homens podiam fazer tudo. Tudo por causa daquilo que, hoje, chamamos de machismo. Ninguém sabe ao certo de onde o machismo veio e porque começou, talvez tenha sido inventado pelos homens num acesso de orgulho ao saberem que Deus os criara primeiro.

Felizmente, há não muito tempo atrás, as mulheres finalmente assumiram sua inconformidade diante da situação e depois de muito protesto, reivindicações, luta e trabalho, tudo mudou. Diziam que, agora, as mulheres não eram mais subestimadas, maltratadas nem humilhadas, pois havia total igualdade entre elas e homens. O machismo havia acabado. E todos acreditavam nisso.

Ela acreditava, porém com alguma dúvida. Foi, então, que aquilo começou a acontecer.

Na TV, ouviu a história de uma mulher que era casada, tinha dois filhos e parecia feliz. Dois dias antes, seus vizinhos ouviram gritos terríveis. Mas não fizeram nada. “Ela deve estar vendo algum filme de terror, algo assim”. Naquele dia, sentiram falta dela, que sempre levava as crianças ao parque no sábado de manhã. Resolveram ir até sua casa. Chamaram, chamaram e ninguém atendeu. Alguém pulou o muro e viu o corpo pela janela da cozinha. Ela estava deitada no chão e tinha uma poça de sangue à sua volta. Já começava a cheirar mal. A cabeça estava funda do lado direito. Tinha sido morta a pauladas pelo marido, dois dias antes. As crianças tinham desaparecido, junto com ele

Aquilo chocou a cidade. Ficaram todos aterrorizados com um crime tão cruel, só falava-se nisso em todos os lugares. As pessoas choravam ao pensar no seu sofrimento. Mas, passaram-se algumas semanas, o crime foi esquecido e tudo voltou a ser como antes.

Mas, aconteceu de novo. Dessa vez, ela estava na fila do supermercado quando chegaram contando uma história parecida. Era uma jovem bonita, tinham acabado de se casar. O marido a amava muito, mas era muito ciumento. Enfiou na cabeça que a mulher tinha um caso com o diretor da escola da esquina. Quando ela chegou em casa, na noite anterior, ele a recebeu com 28 facadas.

Novamente, a cidade foi tomada pelo terror. Chocados, ninguém conseguia acreditar como alguém podia ser capaz de cometer crime tão cruel. Ela era tão jovem, tinha uma vida inteira pela frente. Mas, passaram-se apenas alguns dias, o crime foi esquecido e tudo voltou a ser como antes.

“Por que as mulheres são mortas pelos homens, mas nunca acontece o contrário?”, ela perguntou à avó. “Não sei. Talvez, tenha que ser assim”.

E, assim como antes, aconteceu de novo. Era sua vizinha, tinha apenas 18 anos. Ela e o namorado, que também morava por ali desde criança, estavam juntos há alguns anos. Mas ela não o amava mais. Ele não cogitava a possibilidade de perdê-la. Quando ela decidiu terminar o namoro, levou um tiro certeiro do rapaz.

Uma vez mais, a cidade se chocou, ficou aterrorizada, todos choraram e lamentaram. Mas, dessa vez, o crime foi esquecido no dia seguinte, quando um novo caso aconteceu. Era apenas uma menina, que foi surpreendida na saída da escola. Teve a vida interrompida aos 10 anos de idade, pelo fio da tomada da TV. Seu corpo foi achado em um saco de lixo, na beira da estrada

As coisas tornaram-se cada vez piores. A cada dia um novo caso. A cada hora, uma mulher morta. Enforcadas, espancadas, esfaqueadas, despedaçadas. A história se repetia incessantemente, os assassinatos se tornaram parte do cotidiano da cidade e, aos poucos, ninguém mais se importava com eles. Não passavam mais no noticiário noturno, nem saíam no jornal da manhã. Ninguém os comentava na fila do supermercado.

Aos poucos, as mulheres foram sumindo. Era cada vez mais difícil encontrar uma. Não estavam em lugar algum. Elas começaram a desaparecer, se extinguiram. Finalmente, o machismo havia acabado. Não há machismo se não há mulheres.

2 comentários:

Talita disse...

é teu o texto?
muito bom!!

Diegovj disse...

Ótimo texto...
Um mundo sem mulheres seria um verdadeiro pesadelo...

Bjos!