16 de março de 2017

#LeiaMulheres e resenha do livro "Presos que menstruam"


Ano passado, eu me juntei ao movimento Leia Mais Mulheres (que depois virou Leia Mulheres). Basicamente, esse movimento tem o objetivo de incentivar a leitura de livros escritos por mulheres e, para isso, lançou em 2016 um desafio com 10 livros a serem lidos ao longo do ano. Participar do desafio e começar a ler mulheres foi um incentivo imenso para que eu redescobrisse esse prazer que sempre tive, mas que havia deixado de lado pelo cansaço da vida de trabalhadora: a leitura. Deixo, abaixo, a lista dos livros que li para o desafio e você pode conseguir mais informações sobre o Leia Mulheres aqui.


Agora, 2017, decidi me colocar um novo desafio: escrever resenhas sobre as minhas leituras. Essa seria uma forma de organizar as leituras que faço, guardar um registro sobre elas e também, quem sabe, convencer outras pessoas a lerem os livros que li.

Para esse desafio, escolhi começar pela minha última leitura: Presos que menstruam, de Nana Queiroz. A Nana é jornalista e uma das fundadoras da revista feminista AzMina. Também foi ela quem começou a campanha Não mereço ser estuprada.

A ideia de escrever esse livro-reportagem sobre a vida das mulheres encarceradas do Brasil surgiu não somente do seu interesse pelo assunto, mas também por perceber que quase não há livros ou pesquisas que abordem o tema no país. Já na academia e no jornalismo, a vida dessas mulheres é silenciada, como se não houvesse presas no Brasil.

Ao longo de 4 anos, Nana visitou presídios por todo o país, conversou com muitas mulheres encarceradas, algumas já em liberdade, outras conhecidas nacionalmente pelo crime que cometeram (como matar os próprios pais, fica aí um spoiler). Decidiu narrar a vida dessas mulheres como se cada história fosse um retalho, cada retalho sendo pouco a pouco costurado, para construir essa colcha que é seu livro.

Presos que menstruam é uma leitura ao mesmo tempo agradável e angustiante. Agradável, pois Nana escreve muito bem, a leitura flui com uma facilidade tão grande que, muitas vezes, não parece que estamos lendo, mas sim sentadas ao lado de Nana, conversando com ela e com as mulheres que protagonizam as histórias narradas. Angustiante, pois... aquelas histórias são reais, e são difíceis, difíceis demais. O livro comprova algo que já sabemos: a desigualdade social é ponto central que une boa parte dos encarcerados do país. Não somente ela, mas tudo aquilo que vem junto com a pobreza: a falta de estudo e de oportunidades, péssimas condições de vida, famílias conturbadas, violências e, no caso das mulheres, gravidez na adolescência, casamentos cedo demais.

Se a literatura tem como um de seus fundamentos a humanização de tipos sociais, esse livro faz isso com primazia. É impossível não sentir empatia por aquelas mulheres, não se colocar no lugar delas ou de seus filhos, não sofrer com elas as injustiças que as levaram até os presídios brasileiros. O livro nos coloca tão próximo daquelas mulheres que não há como não pensar que poderíamos ser nós, ali, presas em algum desses presídios.

Outra questão abordada por Nana é o fato dos direitos das mulheres e da sua singularidade não serem respeitados também nos presídios: a maioria dos presídios brasileiros não foram pensados para abrigar mulheres. Não há espaço adequado para acolher as mulheres grávidas nem seus filhos quando nascem. Em questões de higiene, são desconsideradas diferenças muitos simples – e bem óbvias - como o fato de mulheres usarem absorvente e gastarem mais papel higiênico do que os homens.

No livro, também ganha destaque um outro problema: o abandono das mulheres. Enquanto as portas dos presídios masculinos vivem lotadas de mães, esposas, namoradas, irmãs, todas ansiosas pelo momento da visita e para rever o homem amado; nos presídios femininos só há solidão. A maioria das mulheres encarceradas não recebem visitas, muitas delas descobrem, quando são libertas, que seus maridos já as trocaram por outra. É o machismo atuando em cada uma das frestas da sociedade brasileira.

Bem perto do final do livro, quando já fomos convencidas pelas histórias contadas pelas mulheres e escritas por Nana, somos colocadas diante de um dilema, vivido e sofrido também pela autora: será mesmo possível acreditar nas histórias contadas pelas mulheres encarceradas? Seria possível confiar e acreditar no relato de mulheres que haviam cometido crimes; algumas, assassinatos?

Nana decidiu pesquisar o processo de algumas dessas mulheres e descobriu, então, que havia incoerências. Alguns retalhos estavam rasgados ou não se encaixam. Teriam as presas mentido ou apenas acreditado demais na mentira que contavam, na verdade, para si próprias? Diante da inquietação da autora e de sua desconfiança, passamos também a desconfiar daquela que fez a história chegar até nós: Nana teria sido fiel aos relatos que ouviu? Teria sido capaz de reconstruir histórias que, impedida de gravar ou fazer anotações, memorizou de cabeça?

Essas indagações podem perturbar o leitor, mas, jamais invalidar a relevância de Presos que menstruam: mais importante que a veracidade das histórias narradas são as reflexões que elas causam em que as lê.



Presos que Menstruam
Autora: Nana Queiroz
Editora: Record
Ano: 2015
Nº de Páginas:  294







Meu desafio Leia Mais Mulheres 2016

1. Poesia: A teus pés, Ana Cristina César 
2. Literatura infantil: Frida Kahlo, Coleção antiprincesas 
3. Não-ficção: Eu sou Malala, Christina Lamb et Malala Yousafzai 
4. Ganhadora do Jabuti: Quarenta dias, Maria Valéria Rezende 
5. Ganhadora do Nobel: Amada, Toni Morison
6. HQ: Persépolis, Marjane Satrapi
7. Autora independente: Toureando o diabo, Clara Averbuck. (Esse foi o único que não li, pois não consegui comprar o livro)
8. Autora latina: A última névoa, Maria Luisa Bombal
9. Autora negra: Americanah, Chimamanda N. Adichie
10. Autora contemporânea: Paraíso, Tatiana Salem Lévy 
11. Autora conterrânea: A obscena senhora D, Hilda Hilst 
12. Autora estreante: Desesterro, Sheyla Smanioto
*E ainda inventamos a 13ª categoria: livro de ficção científica: A mão esquerda da escuridão, Úrsula K. Le Guin