15 de outubro de 2017

Resenha do livro "Na minha pele"

Ontem terminei de ler o livro Na minha pele, de Lázaro Ramos, uma autobiografia. O livro é escrito em tom de conversa, numa tentativa de falar sobre racismo de uma maneira leve e mais amigável. Você se sente como se tivesse chegado à casa de Lázaro, ele tivesse puxado uma cadeira, te olhado nos olhos e falado: senta aqui, vamos conversar sobre o que é ser negro no Brasil. A conversa poderia ser leve, mas nunca será. É com muitos engasgos, apertos e socos no estômago que essa conversa continua.

A partir de suas experiências particulares, Lázaro Ramos fala sobre como o racismo é sistemático e, por isso, apagado em nosso país. Como ele está em todo lugar, desde sempre, passa despercebido por nós, brancos, porém nunca é invisível a quem é negro. Ao narrar episódios de sua vida, como a experiência de ser o único negro em uma escola particular de Salvador ou ser galã de uma novela da rede Globo, o ator, agora escritor, fala sobre a falsa democracia racial, sobre a violência sistemática contra a negritude, sobre a falta de representatividade, sobre nossa incapacidade de ver beleza nos traços negros, sobre a solidão dos negros - sobretudo das negras - em um mundo onde só brancos parecem ter nascido para serem amados.

Como ator bem sucedido e rico, Lázaro Ramos tenta o tempo todo desconstruir a imagem de negro que lutou e venceu (à qual pode ser facilmente, e erradamente, associado), porque não quer ser exemplo de como vencer é possível para todos, porque sabe que não é. Ele tenta, a cada capítulo, mostrar como sua vida é uma exceção, sobretudo porque teve uma família privilegiada, forte, que sempre o apoiou; porque cresceu numa comunidade negra empoderada e teve apoio de outros negros, de grupos de teatros e ONGs de Salvador. Seu esforço é nos mostrar que para cada negro morando em mansão e jantando em restaurantes chiques como ele, há centenas, talvez milhares, de outros negros morando em condições miseráveis.

O ponto do livro que me chamou muito atenção, não por acaso, pois sou mulher; foi quando Lázaro fala de Taís Araújo, entretanto deixa claro que não não falará por ela. Ao falar da esposa, ele reconhece a força desta que enfrenta a opressão dupla de ser mulher e negra, reconhece também que suas dores de negro não o impedem de causar dores às mulheres e que, inclusive, precisa se esforçar diariamente pra criar um novo exemplo de masculinidade e de masculinidade negra - sempre tão ligada à força e à violência - sendo exemplo de homem para o filho. Ele sabe que o respeito com o qual trata sua mulher é essencial para a formação desse filho, mas, principalmente, para a construção da autoestima da filha, que deve crescer e não aceitar nada menos que esse mesmo relacionamento baseado na igualdade e no respeito.

Eu tenho lido muito sobre feminismo negro ultimamente, sigo perfis de feministas negras no Facebook, sigo canais no Instagram, por isso muito do que li nesse livro não era novo pra mim, já estava a par de boa parte dessas discussões e já tinha me questionado sobre algumas das reflexões que Lázaro Ramos fez. Entretanto, Na minha pele é, com certeza, um livro muito importante pro Brasil hoje, especialmente se considerarmos que há poucas figuras públicas negras importantes no país e as poucas existentes, quase sempre, estão mais dispostas a negar sua condição de negro e sua representatividade do que usá-la como ferramenta política - quem não se lembra de Neymar falando que não é negro e que nunca sofreu preconceito?!

É preciso coragem para escrever um livro como esse, em um momento de tanto menosprezo à luta dos negros, é preciso coragem pra se expor, contar histórias de dor, colocar o dedo em nossa cara pra nos fazer entender que, sim, somos todos racistas e precisamos ter consciência disso, e mudar urgentemente.

A dúvida que me resta, ao finalizar o livro, é quantas pessoas ele irá atingir. Em um país em que revistas com mulheres negras na capa não atingem nem 50% das vendas daquelas com mulheres brancas; quantos de nós estão dispostos a comprar esse livro, com um negro na capa, escrito por um negro, falando sobre negros? A existência desse livro na prateleira de uma livraria já é, por si só, um constrangimento para quem é branco, é aquele dedo na cara do qual tanto precisamos.



Na minha pele
Autor: Lázaro Ramos
Editora: Companhia das letras
Ano: 2017
Páginas: 152






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