25 de julho de 2017

#LeiaMulheres e resenha do livro "Niketche - uma história de poligamia"

Antes de falar sobre o livro Niketche – uma história de poligamia, de Paulina Chiziane, vou falar sobre como esse livro chegou até mim. Eu sigo o perfil Leia Mulheres (clube de leitura que pretende incentivar a leitura de obras escritas por mulheres) no instagram e já tinha visto uma indicação desse livro no perfil, ele também foi discutido em vários clubes de leitura pelo Brasil e eu achava muito estranho que um livro sobre poligamia fosse tão adorado por esses clubes de leitura que, em sua maioria, têm um cunho feminista. Eu também já tinha ouvido falar muito bem da sua autora, Paulina Chiziane, mas ainda tinha um pé atrás com o livro e duvidava que fosse gostar de lê-lo.

Em abril deste ano, participei da Flipoços 2017. Nesta edição da feira, o país homenageado foi Moçambique e o evento contou com a presença de vários autores moçambicanos, dentre eles uma única escritora moçambicana: a Paulina Chiziane. No dia 29 de abril, fomos para o evento para assistir à cerimônia de abertura. Achamos que fosse ser algo extremamente burocrático, mas, para nossa surpresa, não foi. Todos homenageados tiveram a oportunidade de discursar e foi, então, que conhecemos Paulina Chiziane. Que mulher incrível. Sua fala foi tão intensa que nos conquistou nas primeiras palavras. Sincera, sensível e certeira, Paulina falou sobre a importância dos moçambicanos, escravizados pelos portugueses, na construção do Brasil, falou sobre racismo, falou sobre dor. Apaixonamo-nos por ela e tivemos a certeza de que, sim, valeria a pena ler seu livro.

Comprei o livro no dia seguinte e depois ler os dois primeiros capítulos, já tinha certeza que aquela era uma história que eu precisava ler. Então, vamos a ela.

Em Niketche – uma história de poligamia, a narradora conta sua própria história: é uma mulher de meia-idade, com 5 filhos e casada, porém, sozinha. Seu marido passa dias e dias fora de casa e ela desconfia que ele tenha alguma amante. Depois de um episódio envolvendo um dos seus filhos, ela decide ir atrás de informações que provem que sua desconfiança é real. Descobre, então, que seu marido não apenas tem amantes, mas é um polígamo: ele tem outras mulheres, com as quais construiu casas e teve filhos.

Até aqui, nada de novo nem de muito espetacular. Mas esse é apenas o início da história. O problema é que não posso falar muito sobre o livro sem dar spoilers, porque a narrativa é repleta de reviravoltas, daquelas que tiram o fôlego do leitor e mudam completamente o rumo da história. Já que não posso falar muito sobre o enredo, falarei sobre alguns aspectos do livro que chamaram minha atenção.

O primeiro é a linguagem. Há tempos não lia um livro tão poético. Repleto de metáforas, sensações e sentimentos, nada no livro é dito de maneira objetiva, cabe ao leitor não apenas entender as palavras – meticulosamente escolhidas e trabalhadas por Paulina -, mas senti-las, vivê-las. É incrível como a autora consegue manter a poesia intensa do início ao fim do livro e talvez, sem ela, seria difícil continuar a leitura de cada página, pois o livro é daqueles que nos fazem sentir uma facada no estômago.

Nesta obra de Chiziane, há sempre uma fala, uma reflexão, que nos atinge em cheio. O enredo em si já é bem tenso, para uma mulher jamais será fácil ler a história de mulheres submetidas à poligamia. Como se isso já não bastasse, somos apresentados, página a página, aos costumes e à cultura de Moçambique, muitas vezes extremamente misóginos. Ao longo da história, vimos mulheres serem submetidas a violência, humilhações e constrangimentos de diversos tipos. A existência das mulheres do livro é marcada pela submissão e pelo sofrimento.

No entanto, felizmente, nem tudo são dores. Se tivesse que resumir o livro em uma palavra, seria sororidade. Paulina nos ajuda a entender que se apenas uma mulher conhece as dores do que é ser mulher, apenas uma mulher é capaz de verdadeira ajudar uma outra mulher. E é esse o papel da personagem principal e também narradora. Não quero dar informações demais aqui, mas preciso dizer que uma das maiores potências desse livro é mostrar que a união entre as mulheres é capaz de construir a força necessária não só para tirá-las de relacionamentos abusivos, mas para permitir que elas consigam ser protagonistas de suas próprias vidas e consigam viver para atender aos seus próprios desejos.

Aqui, entro no quarto tema que me chamou muito a atenção. Em Nikecthe, Paulina fala de maneira direta e sem tabus sobre a sexualidade feminina, tantas vezes negada e condenada. As mulheres do livro querem ser mais do que esposas que cuidam do marido, da casa e dos filhos; elas querem ter o direito de viver sua sexualidade de maneira plena, inclusive e principalmente após os 40-50 anos. A luta por esse direito é um dos motivos que levam ao desfecho da história – sobre o qual eu, obviamente, não falarei,

Niketche – uma história de poligamia é um livro que merece ser lido principalmente por quem quer conhecer mais sobre a cultura moçambicana e sobre os relacionamentos polígamos - e, claro, por todas nós, mulheres, que encontraremos nesse livro um pouco mais de força para lutarmos por nossa liberdade, inclusive sexual.

Quem quiser ver o discurso da Paulina Chiziane na abertura da Flipoços, basta clicar nesse link. O discurso começa em 19’14”.



Niketche - uma história de poligamia
Autora: Paulina Chiziane
Editora: Companhia das letras
Ano: 2004
Nº de Páginas:  336

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