Antes de falar sobre o livro Niketche – uma história de
poligamia, de Paulina Chiziane, vou falar sobre como esse livro chegou até
mim. Eu sigo o perfil Leia Mulheres (clube de leitura que pretende incentivar a
leitura de obras escritas por mulheres) no instagram e já tinha visto uma
indicação desse livro no perfil, ele também foi discutido em vários clubes de
leitura pelo Brasil e eu achava muito estranho que um livro sobre poligamia
fosse tão adorado por esses clubes de leitura que, em sua maioria, têm um cunho
feminista. Eu também já tinha ouvido falar muito bem da sua autora, Paulina
Chiziane, mas ainda tinha um pé atrás com o livro e duvidava que fosse gostar
de lê-lo.
Em abril deste ano, participei da Flipoços 2017. Nesta edição
da feira, o país homenageado foi Moçambique e o evento contou com a presença de
vários autores moçambicanos, dentre eles uma única escritora moçambicana: a
Paulina Chiziane. No dia 29 de abril, fomos para o evento para assistir à
cerimônia de abertura. Achamos que fosse ser algo extremamente burocrático,
mas, para nossa surpresa, não foi. Todos homenageados tiveram a oportunidade de
discursar e foi, então, que conhecemos Paulina Chiziane. Que mulher incrível. Sua
fala foi tão intensa que nos conquistou nas primeiras palavras. Sincera,
sensível e certeira, Paulina falou sobre a importância dos moçambicanos,
escravizados pelos portugueses, na construção do Brasil, falou sobre racismo,
falou sobre dor. Apaixonamo-nos por ela e tivemos a certeza de que, sim, valeria a
pena ler seu livro.
Comprei o livro no dia seguinte e depois ler os dois
primeiros capítulos, já tinha certeza que aquela era uma história que eu precisava ler. Então, vamos a ela.
Em Niketche – uma história de poligamia, a narradora conta
sua própria história: é uma mulher de meia-idade, com 5 filhos e casada, porém,
sozinha. Seu marido passa dias e dias fora de casa e ela desconfia que ele tenha alguma amante. Depois de um episódio envolvendo um dos seus filhos, ela
decide ir atrás de informações que provem que sua desconfiança é real.
Descobre, então, que seu marido não apenas tem amantes, mas é um polígamo: ele
tem outras mulheres, com as quais construiu casas e teve filhos.
Até aqui, nada de novo nem de muito espetacular. Mas esse é
apenas o início da história. O problema é que não posso falar muito sobre o
livro sem dar spoilers, porque a narrativa é repleta de reviravoltas, daquelas
que tiram o fôlego do leitor e mudam completamente o rumo da história. Já que
não posso falar muito sobre o enredo, falarei sobre alguns aspectos do livro
que chamaram minha atenção.
O primeiro é a linguagem. Há tempos não lia um livro tão
poético. Repleto de metáforas, sensações e sentimentos, nada no livro é dito de
maneira objetiva, cabe ao leitor não apenas entender as palavras –
meticulosamente escolhidas e trabalhadas por Paulina -, mas senti-las, vivê-las.
É incrível como a autora consegue manter a poesia intensa do início ao fim do
livro e talvez, sem ela, seria difícil continuar a leitura de cada página, pois
o livro é daqueles que nos fazem sentir uma facada no estômago.
Nesta obra de Chiziane, há sempre uma fala, uma reflexão,
que nos atinge em cheio. O enredo em si já é bem tenso, para uma mulher jamais
será fácil ler a história de mulheres submetidas à poligamia. Como se isso já
não bastasse, somos apresentados, página a página, aos costumes e à cultura de
Moçambique, muitas vezes extremamente misóginos. Ao longo da
história, vimos mulheres serem submetidas a violência, humilhações e
constrangimentos de diversos tipos. A existência das mulheres do livro é
marcada pela submissão e pelo sofrimento.
No entanto, felizmente, nem tudo são dores. Se tivesse que
resumir o livro em uma palavra, seria sororidade. Paulina nos ajuda a entender
que se apenas uma mulher conhece as dores do que é ser mulher, apenas uma
mulher é capaz de verdadeira ajudar uma outra mulher. E é esse o papel da personagem
principal e também narradora. Não quero dar informações demais aqui, mas preciso
dizer que uma das maiores potências desse livro é mostrar que a união entre as
mulheres é capaz de construir a força necessária não só para tirá-las de
relacionamentos abusivos, mas para permitir que elas consigam ser protagonistas
de suas próprias vidas e consigam viver para atender aos seus próprios desejos.
Aqui, entro no quarto tema que me chamou muito a atenção.
Em Nikecthe, Paulina fala de maneira direta e sem tabus sobre a sexualidade
feminina, tantas vezes negada e condenada. As mulheres do livro querem ser mais
do que esposas que cuidam do marido, da casa e dos filhos; elas querem ter o
direito de viver sua sexualidade de maneira plena, inclusive e principalmente
após os 40-50 anos. A luta por esse direito é um dos motivos que levam ao
desfecho da história – sobre o qual eu, obviamente, não falarei,
Niketche – uma história de poligamia é um livro que merece
ser lido principalmente por quem quer conhecer mais sobre a cultura
moçambicana e sobre os relacionamentos polígamos - e, claro, por todas nós,
mulheres, que encontraremos nesse livro um pouco mais de força para lutarmos
por nossa liberdade, inclusive sexual.
Niketche - uma história de poligamia
Autora: Paulina Chiziane
Editora: Companhia das letras
Ano: 2004
Nº de Páginas: 336
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