4 de setembro de 2011

Zero à esquerda.


Esse post é sobre algo que sempre pensei: boa parte das pessoas tem coração de pedra. E toda essa bondade, filantropia e vontade de ajudar os outros é, quase sempre, fingimento. Falsidade. É só uma maneira de limpar a consciência e dizer, antes de dormir: bom, eu fiz a minha parte.

Há pouco tempo entrei em uma ONG que faz atividades recreativas e educativas em centros e ONGs que cuidam de crianças carentes. Na primeira atividade, meu companheiro era um menino de 11 anos. Em uma das atividades, eles deveriam escrever no papel um sonho que eles tinham para a comunidade. E esse menino de 11 anos não conseguiu escrever “campo de futebol”. E ele não era o único que (quase) não sabia escrever. Mas acho que ninguém se importou muito com isso. Ao final da manhã, todo mundo voltou pra casa feliz, achando que já tinha feito “a sua parte”. Eu voltei pra casa pensando que eu era a única idiota que tinha saído de lá pior do que chegou, porque, pra usar a palavra correta, não fizemos merda nenhuma. Porque nenhuma brincadeira vai fazer diferença na vida de um menino que não sabe escrever “campo de futebol”, que mal sabe escrever o próprio nome.

Essa semana meu avô passou 5 dias internados por puro descaso da médica que o acompanha há mais de 10 anos. Ele foi internado quarta de manhã, faria a cirurgia (para trocar a bateria do marcapasso) de manhã mesmo e à tarde já estaria em casa. Mas a médica preencheu a ficha incorretamente e agendou a cirurgia sem nem confirmar se o hospital tinha comprado a bateria nova. Eles não tinham comprado a bateria nova. Desculpa vai, desculpa vem e meu vô só foi operado ontem (sábado!) às 16h. A médica disse que no dia seguinte ela passaria no hospital até às 11h pra dar alta pro meu avô. Depois de milhões de telefonemas (e muitas caixas postais), ela só chegou ao hospital às 17h, quando nós já estávamos assinando o Termo de Responsabilidade para retirar meu avô de lá, de qualquer jeito. Ela disse que um tio dela tinha morrido. A gente fingiu que acreditou. Achei péssimo. Meu vô tem quase 90 anos, tem Parkinson, está super debilitado e ficou internado por 5 dias sem a menor necessidade. A gente sempre tem a doce ilusão de que uma pessoa decide ser médico para fazer o bem para os outros. Mas alguém que tem coragem de tratar com tanto descaso um velhinho tão doente, só está preocupado mesmo é com o salário que vai embolsar no fim do mês.

Eu não teria coragem de fazer isso, porque eu acabo me envolvendo demais com as pessoas. Acho que isso é mal de família. Uma vez meu tio chorou só de ouvir a história sobre uma família que nós ajudamos em um Natal. Levamos uma sexta básica e uma bola. Um dos meninos, que era doente e tinha problemas mentais, queria muito uma bola de Natal.

Mas a grande maioria das pessoas não é assim. Elas vão lá, fazem o que tem que fazer e pronto. Cada um faz a sua parte. E depois... é cada um com seus problemas. Nós só “fazemos a nossa parte” quando isso não nos ocupa muito tempo ou dinheiro, quando não saímos perdendo, quando não somos prejudicados, quando não precisamos nos esforçar muito ou nos envolver demais, quando não dá muito (ou nenhum) trabalho. A parte que nos cabe é sempre fácil, rápida, barata e indolor. A parte que nos cabe é sempre merda nenhuma, que não muda coisa alguma. A parte que nos cabe vale menos que um zero à esquerda.

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