7 de abril de 2011

Monstros S.A.


Quando algum horror acontece, mídia e sociedade se unem para crucificar e rotular de monstro o assassino da história. Como se a vida fosse simples assim. Em um dia ensolarado de primavera, uma pessoa “normal e feliz” acorda e pensa: hoje eu vou virar um assassino, vou comprar uma arma e matar dezenas de crianças na escola da esquina. Afinal, tem gente que nasce com gene ruim mesmo. Enquanto alguns sonham em ser jogador de futebol, médico ou policial, tem menino que já nasce sonhando em ser atirador de escola.

Não é minha intenção defender um jovem perturbado que assassinou brutalmente dezenas de crianças, no entanto não adianta jogar a culpa de atitudes assim na má índole ou no gene ruim dos outros. Pessoas que tomam atitudes como essa estão no ápice de uma explosão causada, sobretudo, pela sociedade fútil, egoísta e superficial na qual vivemos e a qual ajudamos a construir, dia a dia. Em uma sociedade onde as pessoas se importam mais com a etiqueta do bolso de trás da calça do que com a vida dos outros, não é difícil imaginar porque a depressão será a epidemia do século.

A questão é que ninguém se importa com os outros. Você sabe que sua vizinha não tá bem, mas não faz nada pra ajudar. “Ah, a vida é dela. Cada um com seus problemas”. Aí ela é encontrada morta pelo marido, com um saco de plástico amarrado no pescoço. Você tem um colega de trabalho que é meio calado e estranho. Você até pensou em se aproximar, fazer amizade, às vezes ele precisa de companhia. “Ah, mas também ele fica sozinho porque quer né?”. E ele acaba se jogando do décimo andar. Você vê aquele colega de classe sendo zuado, maltratado pelos outros alunos, ele apanha e é humilhado todos os dias. Ele chora. E você não faz nada. “Problema dele, ninguém manda ser viadinho e não se defender”. Quem não conhece uma história de bullying na escola (ou na universidade!)? Ou até histórias piores. Conheço gente que era assediado pelo diretor da escola ou que foi abusado sexualmente por colegas em período de aula. A gente sabe de tudo, mas nunca faz nada. A vida não é nossa, não é da nossa conta. Mas um dia, aquele garoto-pancada cresce, entra na escola onde seu filho estuda e sai atirando. Mata seu filho. Aí, bom... agora o problema também é seu.

As pessoas acham que estão livres de serem monstros - é preciso ter coração ruim. Não, não é. Já vi pessoas muito amáveis e próximas terem ataques (por nervosismo, stress, etc) e se transformarem, ficarem agressivas, transtornadas. Mas essas pessoas procuraram ajuda, "se trataram", receberam apoio da família e dos amigos. Só que nem todo mundo tem a sorte de ter alguém pra ajudar e no mundo onde cada-um-cuida-do-seu, ninguém tem coragem de pedir ajuda. E vai segurando. Sofrendo sozinho.

A gente só se preocupa com o problema dos outros quando somos atingidos, direta ou indiretamente, por eles. E se isso nunca acontecer... ah, deixa pra lá. Enquanto continuarmos vivendo nossas vidas dando valor para coisas fúteis e ignorando o bem-estar (ou sofrimento) das pessoas, esse tipo de tragédia vai continuar se repetindo...


ps1: Os dois casos citados (da mulher que se suicidou com uma sacola de plástico e do jovem que se jogou do apto onde morava) aconteceram de verdade, com pessoas que eu conhecia.

ps2: Acho engraçado que até agora ninguém comentou nada (NADA) sobre o “cinegrafista-amador” que entrou na escola logo depois do massacre e que ao invés de ajudar a socorrer as vítimas, ligou o celular pra filmar tudo e vender para emissoras de TV. Nada a declarar.

2 comentários:

Unknown disse...

parabééns pela sua postagem e aliás, sim, foi muito interessante e bizarro o fotógrafo omisso e oportunista...sem muito o que dizer..hehe...minha prof de redação usou esse texto na aula hoje...PS: a Jully é demaaaaaaaais!!..

Olívia disse...

Sempre quis dizer isso, acho que somos mesmo hipócritas e na primeira oportunidade saímos armados de casa para apedrejar o outro, como se ele espelhasse esse outro que transborda em nós, do qual não conseguimos nos livrar. Ora, justificar vários acontecimentos graves de ordem social, familiar, política por um viés apenas da " loucura", da psicopatia é uma maneira de calar um grave problema social. Classificar o sujeito como louco exime a responsabilidade (do agir) de todos de devolver sua dignidade, já furtada antes mesmo de conhecer o amor. A Aline falou muito bem que não é a moralidade que está em questão aqui(certo/errado/ mocinho/bandido), há coisas muito mais complexas a serem repensadas; Parece mais fácil na estória fazermos o papel dos "justiceiros", é mais cômodo sermos os apedrejadores de Madalena sem lembrar, que a tal "pecadora" precisou de nós, de nossos maridos ou nossos pais para concretizar o ""pecado""....